Sociedade, cultura e política com jogo de cinturaGuto é assessor de comunicação, se interessa na integração do desenvolvimento sustentável rural e urbano e expressões culturais
As escolas militares têm sido as queridinhas de pais de alunos e de alguns governos estaduais no Brasil. Elas têm disciplina, qualidade de ensino e paz para professores trabalharem. Afinal de contas, você quer que seu filho estude numa escola em que os estudantes respeitam os professores ou numa convencional da rede pública com os problemas já conhecidos?
Escolas militares são realmente eficientes, não somente por causa da disciplina militar. Os alunos passam por um teste seletivo para ingressar nessas escolas. Eles já são bons alunos, e ainda desejam estar nestas escolas, o trabalho já está metade feito. Mas outra coisa que diferencia a escola militar são os recursos. Os colégios militares têm quase dez vezes mais investimentos que as escolas estaduais e municipais da rede pública. Não vou propor tirar nenhum centavo das escolas militares.
As escolas militares não são a solução da educação, como pensam os conservadores, nem se resumem ao problema que os progressistas enxergam. Mas me permita dar uns passos atrás na história para falar do problema que a escola militar busca resolver.
Criança de rua
Crianças de rua eram um desafio do Brasil do século XX. Bandos de crianças perambulavam pelas ruas das grandes cidades como pombos, pediam esmola, roubavam e também eram vítimas de violência. Esse problema foi praticamente resolvido com algumas ferramentas. Uma delas é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabeleceu que toda criança tem origem numa família e essa é responsável pelo que aconteça à criança. Os adultos também são responsáveis pelos atos da criança. Não existe nem se pode aceitar criança de rua, toda criança vem de uma família.
Depois, o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) implementou diversas reformas educacionais, com o objetivo principal no nome da campanha: "Toda Criança na Escola". Uma iniciativa do governo federal, promovida pelo Ministério da Educação (MEC) que buscava garantir o acesso e a permanência de todas as crianças na educação básica, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade social. O programa buscou reduzir a evasão escolar e promover a inclusão educacional.
Para aperfeiçoar o sistema de cuidado com a infância, ainda no governo FHC, foi implantado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Não adiantava responsabilizar as famílias pelos cuidados com as crianças se o trabalho desses menores era parte do sustento de famílias miseráveis. Então as famílias carentes cadastradas passaram a receber uma pequena bolsa na condição de que os filhos em idade escolar se mantivessem frequentando a escola.
Um problema resolvido e outro criado
Você deve ter ouvido falar que a educação antigamente era melhor. Antes da Constituição Cidadã de 1988 as escolas públicas não tinham a função de promover inclusão social, a educação não era para todos. Se não era para todos, as escolas eram, na prática, autorizadas a discriminar pessoas e dizerem quem serve ou não serve para estudar.
Agora, na compreensão da educação pública, a escola é um ambiente de aprendizado e também de inclusão social. É preciso reconhecer que no trabalho de inclusão a qualidade do processo ensino e aprendizagem caiu. Mas o que fazemos agora, voltamos a excluir crianças? Isso não é aceitável, ainda mais considerando que a maior parte das crianças com problemas escolares são oriundas de famílias sem cultura escolar, isso significa excluir gente por ser pobre.
Pela função inclusiva do ensino público, um estudante com mau comportamento não pode ser simplesmente expulso de uma escola e jogado na rua. A rede de ensino precisa encontrar outra escola em que esse jovem tenha chance de recomeçar. Mas com isso, toda escola tem algum aluno indisciplinado que recebeu de outra unidade escolar.
Tem outro problema que é de gestão. As secretarias de educação adotaram uma política de aprovação automática de estudantes das redes estaduais e municipais. Os dados para a avaliação do Ideb estão associados aos índices de aprovação; de reprovação; de evasão escolar na rede de ensino. Também há avaliação em larga escala aplicada aos estudantes. Os professores são desestimulados a reprovarem, os diretores precisam garantir a ocupação máxima da escola. Dessa forma os governos estaduais, em todo o Brasil, maquiam dados para apresentarem uma gestão positiva dos governos, sem preocupação com a qualidade do ensino.
Escolas Militares a serviço da rede de educação
Da forma que estão funcionando, as escolas militares são ilhas de excelência em educação. São as melhores no ensino médio? Não são, as melhores são as escolas federais (IFs). Ainda assim, conseguem resultados superiores aos da rede. Mas continuam sendo ilhas, funcionam muito bem para alguns.
Para contribuírem com o sistema de educação como um todo, as escolas militares precisam ser reconfiguradas para serem um suporte à rede pública de educação. Os alunos com problemas de disciplina serão enviados para as escolas militares. O bom aluno não precisa do ensino disciplinador e rigoroso, quem precisa é o aluno indisciplinado.
Dessa forma, a escola da rede pública irá abrir suas portas para todos os alunos, mas terá autonomia para dizer quem mantém e quem encaminha para a escola disciplinadora. As militares passam a justificar muito melhor o custo mais alto de sua gestão. Professores das escolas militares podem receber um adicional ou ter a carga horária menor que os da escola comum, já que irão trabalhar com os alunos com problema de comportamento. A qualidade das escolas da rede vai aumentar sensivelmente e a missão disciplinadora das escolas militares fará muito mais sentido.
Sensação
Vento
Umidade