Os alunos da Escola Estadual Professor Jacondino Bezerra, localizada na comunidade João Carro, em Chapada dos Guimarães, tiveram um encontro que vai muito além do currículo escolar. Em duas palestras ministradas pela juíza auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso, Anna Paula Gomes de Freitas, o tema do dia foi tão delicado quanto necessário: o combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.
A iniciativa, promovida pela Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ) do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, enfrentou os desafios logísticos para garantir a realização da atividade. O acesso à escola exigiu deslocamento por estrada de terra e travessia de balsa, obstáculos superados diante da relevância do tema e da importância da visita.
Quando a escola vira porto seguro
A ação integra as iniciativas da campanha Maio Laranja, movimento nacional que busca despertar a sociedade para uma das violências mais cruéis e silenciosas cometidas contra os mais vulneráveis: a violência sexual infantil.
"A escola é o principal local fonte dessas denúncias, porque é ali que as crianças se sentem seguras em contar para o amiguinho, para a professora de confiança, para a tia da merenda. É importante trazer essa consciência para dentro das escolas, porque é ali que nós vamos colher frutos de denúncias de abusos que, eventualmente, estejam ocorrendo", destacou a juíza Anna Paula, diante de olhares curiosos e atentos.
“Pode estar do nosso lado e a gente não vê”
A diretora da escola, Luzia Luiza, revelou como, mesmo em locais mais afastados, o perigo pode estar mais perto do que se imagina.
“Por sermos uma comunidade da zona rural, às vezes a gente acha que não acontece. E pode estar do nosso lado, e a gente não vê. Essa palestra pode sensibilizar tanto os alunos quanto toda a comunidade escolar”, disse.
“Eu me sentiria segura para pedir ajuda”
A fala de uma aluna, emocionada após o encontro, resume o impacto da visita.
“Muitas crianças podem estar passando por isso e não sabem como pedir ajuda. Graças a essa palestra, talvez tenham coragem. Eu nunca precisei denunciar nada, mas sinto que, se precisasse, teria coragem de chegar nela [na juíza] e contar. Isso muda tudo”.
Com linguagem adaptada para cada idade, a juíza falou sobre confiança, proteção e os direitos fundamentais de meninos e meninas, o direito de crescer sem medo.
Nas palestras, crianças aprenderam sobre o próprio corpo, os limites e a importância de contar a um adulto de confiança sempre que se sentirem ameaçadas. Já com os adolescentes, o papo foi direto: redes sociais, consentimento, violência doméstica e como identificar sinais de abuso — inclusive dentro de casa.
Números
Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 são alarmantes.
Mato Grosso no ranking
O estado de Mato Grosso aparece com destaque, infelizmente pelos piores motivos. O município de Sorriso lidera o ranking nacional de estupros e estupros de vulnerável, com 113,9 casos para cada 100 mil habitantes. Cidades como Sinop, Cuiabá e Tangará da Serra também figuram entre as 50 com maiores índices no Brasil.
Para a gestora da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJMT, Wanderleia da Silva Dias, o trabalho de conscientização é uma semente lançada.
“A partir do conhecimento que esses alunos adquirem, eles disseminam a informação na escola e fora dela. E a gente percebe, sim, que isso impacta: recebemos mais denúncias depois dessas ações”.
Um compromisso com o futuro
A ação do Tribunal de Justiça, por meio da CIJ-MT, leva esperança às margens da invisibilidade. Leva acolhimento onde antes havia silêncio. Leva justiça onde muitos não sabiam que tinham direito de ser ouvidos.
“Falar sobre o problema é o primeiro passo para enfrentá-lo. Ações como esta reforçam o compromisso do Judiciário em proteger quem mais precisa: nossas crianças e adolescentes”, concluiu Wanderleia.
Saiba como denunciar
As denúncias de abuso e exploração sexual podem ser feitas de forma anônima e gratuita pelo Disque Direitos Humanos – Ligue 100. O sigilo é garantido.
Maio Laranja
Uma campanha foi instituída por lei em 2022 para ampliar, durante todo o mês de maio, as ações de enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. A mobilização é uma ferramenta essencial para sensibilizar a sociedade, ampliar os canais de escuta e fortalecer a rede de proteção.
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